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outubro 19, 2022

Cannabis Medicinal: O Brasil na contramão do mundo

luciano ducci relator rebate criticas

Autor:

Luciano Ducci

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Ser médico é antes de tudo zelar pela saúde do paciente. É buscar, o tempo todo, tratamentos mais eficazes, soluções que tornem as condições, mesmo que irreversíveis, mais suportáveis, para que o paciente tenha uma vida melhor. A recente resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre os medicamentos à base de cannabis é um retrocesso, é um desrespeito. Não apenas aos pacientes que correm riscos sérios com a descontinuidade de tratamentos, mas também com os médicos que procuram exercer o seu ofício da melhor maneira possível: buscando formas alternativas de tratar problemas que a medicina atual ainda não tem respostas definitivas.

 

É sabido, tanto cientificamente quanto clinicamente, que a cannabis é recomendada, com segurança, para uma série de doenças e condições. A resolução do CFM reduziu a possibilidade de indicação desses medicamentos, impedindo que muitos pacientes tenham acesso aos seus tratamentos. Um duro golpe na luta pelo reconhecimento das potencialidades terapêuticas dos derivados de Cannabis, que já são consideradas em mais de 50 países do mundo, inclusive aqui no Brasil.

 

Em 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, concedeu o primeiro registro de um medicamento à base de Cannabis, o Mevatyl, que é indicado para o tratamento de adultos que tenham espasmos relacionados à esclerose múltipla. De lá pra cá, já foram aprovados outros 15 produtos, alguns, inclusive, com THC na sua composição, como é o caso do próprio Mevatyl, comercializado nas farmácias brasileiras.

 

Não podemos nos calar frente a uma situação que põe em risco milhões de vidas. Esse tema não pode ser pautado por questões ideológicas ou morais, que estão a serviço sabe-se lá de quem.

A nova resolução do CFM vai no sentido contrário ao que tem sido adotado no mundo. Países como Israel, Canadá, Estados Unidos, Espanha, Holanda, França, Nova Zelândia, Tailândia, Colômbia, ou seja, nações de todos os continentes avançam

na regulação do uso de medicamentos à base de cannabis. No Brasil, porém, o CFM contraria a Anvisa e o próprio Ato Médico (Lei no 12.842/2013), que prevê a autonomia do médico para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, bem como para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças.

 

É curioso que essa resolução tenha sido editada num momento de tanta polarização no país, sob a alegação de falta de evidências científicas, o que não é verdade, diga-se. Desde 1960, as pesquisas já mostraram as propriedades da cannabis como neuromoduladoras e a existência de receptores endocanabinoides em diferentes sistemas do organismo como o sistema nervoso, cardiovascular, digestivo, respiratório e esquelético. A cannabis tem inclusive atividade neuroprotetora. Inúmeras pesquisas no mundo vêm provando que os canabinoides têm efeitos analgésicos, anticonvulsivantes, anti-inflamatórios, antieméticos e antidepressivos.

 

Soa, no mínimo estranho, que o mesmo conselho, que hoje censura o ato médico e nega as evidências científicas, defendia, de forma muito controversa, que esta mesma lei fosse respeitada quando o assunto eram os tratamentos por medicamentos e tratamentos comprovadamente ineficazes para o enfrentamento do novo coronavírus. Mesmo com inúmeras referências contrárias, o CFM defendeu a liberdade e o direito do médico e do paciente em prescrever estes tratamentos. Agora, proíbe a prescrição dos remédios à base de cannabis? A quem interessa interromper tratamentos, prejudicar pessoas que já têm dificuldades inerentes tanto à própria condição, quanto ao acesso aos medicamentos que os confortam?

 

Durante a elaboração do meu parecer, desenvolvido na Comissão Especial dos Medicamentos Formulados com Cannabis da Câmara dos Deputados, tive a oportunidade de conhecer e conviver com as mais diversas realidades dos pacientes que dependem desse tipo de medicação. Foram depoimentos de pessoas com as mais diversas enfermidades, relatando suas dificuldades para conseguir o medicamento, mas, sobretudo, contando suas experiências de sucesso nos seus tratamentos a partir do uso dos derivados de Cannabis. Pacientes com Parkinson, com Alzheimer, com câncer, com fibromialgia, com tremores essenciais e diversas outras doenças, que confirmaram a melhora significativa na sua qualidade de vida após o uso desses remédios.

 

O Conselho Federal de Medicina não pode fechar os olhos para essa realidade, não pode negar a milhares de brasileiros o direito de se tratarem e de terem esperança.

Por outro lado, o Congresso Nacional não pode mais se omitir, deixar que milhões de brasileiros vivam sem a mínima segurança de que terão direito a um tratamento seguro, eficaz e gratuito. É preciso avançar nessa discussão e dar uma resposta à sociedade o mais rápido possível. O meu substitutivo ao PL 399/2015 já foi aprovado e está pronto para seguir para o Senado, onde tenho a certeza de que também será aprovado.

 

O acesso à saúde é um direito fundamental e não podemos negligenciar quem precisa desse tratamento. O Brasil não pode ficar no atraso, enquanto o mundo está na vanguarda.

*Luciano Ducci é médico, deputado federal do Paraná e relator do PL399/2015 que prevê o acesso aos medicamentos de cannabis pelo SUS.

Luciano Ducci é curitibano, médico e Deputado Federal pelo estado do Paraná.

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